CUSCO BAIO - Jayme Caetano Braun
Entre os irmãos que tenho,
Irmãos da lida campeira
Há um cusco baio coleira
Que vai junto quando saio,
Botei-lhe o nome de Raio
Pois é um raio de ligeiro
E não há melhor parceiro
Do que o meu cachorro baio.
Voltava, um dia, do povo,
Ao tranco do meu tordilho
Assobiando um estribilho
Pra encurtar a madrugada,
Quando ouvi, sobre a calçada,
Um lamentoso ganido:
Era um cusquinho encolhido
Quase coberto de geada.
Sem mesmo apear do cavalo
Peguei o cusquinho feio
E botei sobre o arreio
Onde se ajeitou tremendo,
Parece que até sabendo
Que estava junto de alguém
Que conhecia também
As mágoas de andar sofrendo
Só quem não tem coração
Ou não tem bom sentimento
Ignora o sofrimento
Dos deserdados da sorte,
Desses que vagam sem norte
À margem da caridade
Pois sem calor de amizade
A vida é pior do que a morte.
E assim o cusquinho feio
Foi morar no meu galpão
É um amigo, desde então
Sempre a meu lado presente.
É o afeto permanente
Refletido com ternura
Naquela estranha doçura
Com que um cusco olha pra gente.
Foi crescendo e aprendeu
O serviço de Campanha
E na lida me acompanha
Sempre ativo e oportuno
Dá gosto ver o reiuno
Sair de dentro do mato
O mesmo que um carrapato
No focinho dum turuno.
E até parece mentira
Hoje o antigo cusquinho
Para rodeio sozinho
Igual ao peão mais campeiro,
Traz boi manso do potreiro
E é de lei – caçando vaca
Dessas que esconde o terneiro.
Vai comigo quando saio
Pra cuidar do meu arreio
E até quando carpeteio
Fica ali – a espera do grito,
Sobre os garrões sentadito
Bombeando – cheio de alma,
Como quem diz – muita calma
Que eu não te deixo solito.
Ainda lembro que uma vez
Meu cusco quase morreu
De um coice que recebeu
Dum redomão, na mangueira,
Doutra feita, uma cruzeira
O mordeu não tinha cura,
Mas com leite e benzedura
Salvei meu baio coleira.
E agora vieram dizer-me
Que um cachorro enlouquecido
Mordeu meu cusco querido
E ele precisa morrer.
Não há mais o que fazer
É a solução – crua e cega –
Mas meu ser todo se nega
A cumprir esse dever.
E ali está o meu cusco baio
Naquele esteio amarrado
Olhar tristonho e parado,
Como a pedir-me socorro
Se matá-lo, sei que morro
É muita barbaridade,
Pois eu só vejo amizade
Nos olhos do meu cachorro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário