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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

1066. Afeto a quatro patas

Apesar de todas as maldades praticadas contra os bichos, da convivência e da observação surgiu o afeto pelos animais - seres que nunca deixaram de surpreender pela inteligência ou por comportamentos que as pessoas podiam supor aparentados aos delas próprias, como a fidelidade (dos cães) e o ânimo brincalhão (dos gatos). Hoje suas atribuições incluem a de devolver ao habitante de uma sociedade governada pela tecnologia o contato com a natureza. O essencial, porém, é o afeto.

Este sentimento é a parte mais relevante da convivência entre homens e animais. O animal responde incondicionalmente ao amor dos homens, analisa a psicóloga Maria Helena Scherb, dona de um cachorro e dois gatos. O psiquiatra americano Aaron Katcher, autor de vários livros sobre homens e bichos, vai mais longe. Para ele, os animais influem diretamente sobre a saúde física e psicológica dos donos. Nas situações em que se está deprimido ou solitário, um animal serve para fazer companhia. Além disso, é algo vivo para se cuidar e para se sentir necessário, visto que o bicho depende da pessoa. Em situações de ansiedade ou de medo, o animal funciona como fonte de apaziguamento: ao tocá-lo e afagá-lo, pode-se adquirir algum sentimento de segurança.

O ser humano tem uma necessidade de contato físico que é preenchida pelo animal, nota a veterinária Hannelore Fuchs, que se doutorou em Psicologia na Universidade de São Paulo em 1987 com uma tese sobre homens e animais domésticos. Como se sabe, a vida atribulada das grandes cidades nem sempre deixa tempo (ou cabeça) para que as pessoas dêem ou recebam carinho na hora que desejam. Assim, se o bicho homem mais próximo está ocupado, a alternativa para muitos é afagar o de quatro patas.

Os velhos padecem de um isolamento gradativo devido à idade e ao culto da juventude que permeia a cultura ocidental hoje em dia. Sem a discriminação praticada pelos humanos, o cachorro e o gato aceitam e retribuem o carinho de um idoso com prazer.Por isso, se não encontra mais companhia junto a seus parentes próximos, uma pessoa de idade pode suprir suas necessidades afetivas graças a um animal. A presença de um bicho pode ser tão significativa para os que estão à margem da vida normal da sociedade, como velhos e deficientes físicos ou mentais graves, que já existem em muitos lugares para eles terapias auxiliadas por animais. A simples companhia pode ser suficiente para melhorar o humor de quem convive com animais.

Não só os cães, mas os passarinhos, gatos, macaquinhos e todos os animais domesticados podem se tornar grandes amigos do homem. Eles estão aí para dividir amizade, companheirismo, afeto, resgatando uma intimidade esquecida do homem com a natureza e consigo próprio. Como notou Hannelore Fuchs em seu trabalho acadêmico: O animal possibilita ao ser humano mostrar suas qualidades humanas, quando cuida, se sacrifica, ama e chora a perda de um animal.

Bichos terapêuticos

Ao perceber que alguns de seus pacientes - crianças com sérios problemas de relacionamento pessoal - interagiam melhor com seu cão do que com ele próprio, o psiquiatra americano Boris Levinson criou há vinte anos o termo pet therapy, ou terapia com animais de estimação. Levinson desenvolveu a teoria de que o animal era um importante instrumento terapêutico, dada sua capacidade de dar afeto. Desde então, várias pesquisas têm comprovado o benefício trazido pelos animais no tratamento de deficientes mentais, e idosos e até presidiários. Um estudo do casal de psiquiatras americanos Sam e Elizabeth Corson, por exemplo, mostrou que, de cinqüenta pacientes não comunicativos levados a conviver com cães, nada menos de 47 tiveram alguma melhora. O contato com os animais transformou inválidos psicologicamente dependentes em indivíduos responsáveis e autoconfiantes, relataram os médicos.

Nos Estados Unidos, as clínicas especializadas em tratamento com animais atendem a mais de 20 mil pessoas. Um dos programas bem-sucedidos se baseia na interação de deficientes físicos e mentais com cavalos. Os movimentos do cavalo mexem com o corpo, melhorando a coordenação e o equilíbrio, com grandes benefícios emocionais, explica a veterinária Hannelore Fuchs, que pretende trazer para o Brasil as técnicas da terapia ajudada por animais. A única experiência relatada até hoje no país é a da veterana psicóloga carioca Nise da Silveira, com uma paciente esquizofrênica. O esquizofrênico é um indivíduo que vive fora da realidade, fechado em seu próprio mundo. Pois a paciente afeiçoou-se a um cachorro que vagava pelo hospital a ponto de pedir aos enfermeiros que cuidassem do bicho - ou seja, graças ao animal, ela retomou o contato com o mundo.
Fonte : Superinteressante

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