Todo mundo que defende e protege animais já foi agredido por alguém com a síndrome do CTCPF. É inevitável. Faz parte da miséria mental humana.
Você sabe. Alguém diz “hoje eu adotei um cachorrinho!” Ouve a resposta: “com tanta criancinha passando fome…”. Ou então: “hoje participei de um abaixo-assinado contra a farra do boi”. A reação é a mesma: “com tanta criancinha passando fome…” CTCPF.
Os mais velhos, aliás, devem se lembrar de uma canção dos anos 1980 chamada Rock da Cachorra, composta por Leo Jaime e que fez um certo sucesso com Eduardo Dusek. Segue a letra:
“Troque seu cachorro
Por uma criança pobre.
Sem parente, sem carinho
Sem rango, sem cobre
Deixe na história de sua vida
Uma notícia nobre…”
Logo de início a letra não admite que um cachorro e uma criança convivam na mesma residência. É preciso não só aceitar uma criança pobre, que aparece no imaginário dos ricos como “vítima do sistema” e jamais fruto de um pai, mãe ou ambos irresponsáveis. É preciso não só colocar uma criança pobre em casa (provavelmente para limpar a consciência do próprio conforto), como expulsar o cachorro de casa, não importa o grau de intimidade, amizade, carinho e afeto que exista entre o cão e os humanos à sua volta. O cão deve ser trocado pela criança pobre. A criança pobre não tem “parente, carinho, rango ou cobre” – e nenhum adulto deve ser responsabilizado por isso. O cachorro da casa deve ser sumariamente expulso. Isso, segundo a letra, deixaria na sua vida “uma notícia nobre”.
“Tem muita gente por aí
Que tá querendo levar
Uma vida de cão.
Eu conheço um garotinho
Que queria ter nascido
Pastor alemão”
A letra atinge um grau superior de injustiça. Ao dizer que existe “muita gente” que queria estar levando uma “vida de cão”, ela enxerga só uma parte da realidade. “Vida de cão” significa também os horrores da vida urbana, o abuso de gente que vê um animal como uma arma acorrentada no portão. “Vida de cão” é também ser torturado lentamente até a morte em restaurantes chineses, coreanos e vietnamitas. “Vida de cão” é ser escravizado desde o nascimento e ser tratado como uma mercadoria fácil por comerciantes de filhotes. A letra induz à conclusão de que os cães não podem ser bem tratados enquanto a humanidade continuar a gerar “crianças pobres”. Aliás, as crianças, por mais pobres que sejam, adoram adotar cães como seus amigos e dividem o que têm com eles.
“Seja mais humano
Seja menos canino
Dê guarita pro cachorro
Mas também dê pro menino
Se não um dia desses você
Vai amanhecer latindo”
Ué… Não é para trocar o cachorro pela criança?! “Dê guarita pro cachorro / Mas também dê pro menino”. É uma contradição. “Seja mais humano, seja menos canino”. Espera lá. Cães guardam os homens, entregam seu amor incondicional a nós, arriscam suas vidas pelas nossas. Muitos humanos retribuem todo esse sentimento e lealdade. Mas colocar “ser humano” como uma condição moral e ética superior a “ser canino” é puro preconceito e antropocentrismo. O que inclui a determinação do castigo: “amanhecer latindo”, quer dizer, na cabeça do compositor, virar um desses seres “inferiores e irracionais” - os cães.
Rock da Cachorra é uma espécie de hino dos acometidos pela síndrome do CTCPF. Somos ou seremos todos, mais cedo o mais tarde, alvo de um ataque. Eu, de um bom tempo para cá, uso esses ataques – cada vez mais raros – para fortalecer minha convicção em defender os cães. E os homens de bom senso.
Autoria : Dagomir Marquezi
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