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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

1168. Ah! fala sério!!!

"Na semana passada, escrevi aqui sobre certos exageros na relação dos seres humanos com seus animais de estimação. Alguns leitores ficaram assustados com a minha opinião. Eu também tenho os meus sustos. Eu me assusto quando ouço alguém dizer que quanto mais conhece os homens, mais prefere os animais. Eu me assusto tentando imaginar com que seres humanos essas pessoas convivem. Eu me assusto quando alguém me diz que o afeto mais sincero nos é dado pelos animais. Mais uma vez, eu me assusto pensando nos amigos, amores e parentes de quem diz isso. Eu me assusto quando vejo crianças pedindo esmola e cachorros com hora marcada para fazer as unhas e pelos. Eu me assusto quando sei que pessoas gastam mais de mil reais por mês com seus cachorrinhos enquanto milhões de brasileiros não ganham isso para sustentar a família.

Eu me assusto quando vejo alguém beijar cachorro na boca, carregá-lo em carrinho de criança ou chamá-lo de meu filhinho. Eu me assusto quando vejo carnívoros contumazes pregarem moral em defesa dos animais. Eu me assusto ao pensar que a mesma sociedade que protege os cães lambe os beiços comendo um cordeirinho mamão assado. Por que essa discriminação com bois, porcos, ovelhas, peixes e galinhas? Eu me assusto pensando que nós, carnívoros, somos cúmplices de assassinatos em massa a cada dia. Eu me assusto com quem maltrata animais e com quem confunde criticar exageros dos seres humanos com não gostar de animais. Eu me assusto quando ouço especialistas explicarem que não há perigo com certos cães desde que eles sejam bem adestrados e conduzidos com guia curta, focinheira, enforcador e por quem tenha força suficiente para detê-los. Uau! Para quê? Por quê? Eu sou muito assustado. Eu me assusto com nossas contradições.

Eu me assusto quando uma criança é morta por um cão feroz, o que acontece com muita frequência, e só ouço palavras para justificar o animal. Eu me assusto com quem diz que só confia no seu cão ou no seu gato. Eu me assusto com quem afirma só conversar com seu bichinho de estimação. Eu me assusto ao pensar que isso pode ser o sintoma de uma sociedade cada vez mais egoísta e umbilical, na qual se prefere destinar os melhores afetos e recursos para animais do que para crianças desconhecidas e necessitadas. Eu me assusto com quem diz "eu amo o meu cachorro" em lugar de "eu gosto muito do meu cachorro". Eu me assusto pensando que não sou exemplo, não faço a minha parte, mas me choco com essa sublimação de afetos represados. Eu me assusto muito.

Eu me assusto inventando ironias para tentar entender essa obsessão. Cães e gatos não correm o risco de fumar crack ou de virar emo. Eu me assusto pensando que algumas pessoas não se assustam com isso e que se pode chamar a humanidade de perigosa, mas não um Pit Bull. Eu me assusto pensando que essa paixão por bichos é um sintoma de solidão. Eu me assusto pensando que certas pessoas amam seus bichos porque podem adestrá-los e submetê-los ainda que lhes gabem a autonomia. Como o personagem de Robert Musil, eu me assusto quando um cavalo é chamado de genial. E um Buldogue de meu amor."

Juremir Machado da Silva juremir@correiodopovo.com.br

Correio do Povo - 08/02/2011

2 comentários:

Fernanda Eick disse...

Eu me envergonho de pertencer a "classe racional", quando leio no jornal que o padrasto espancou até a morte, um bebê de nove meses enquanto a mãe que devia protegê-lo, está na esquina fumando crack; Eu me envergonho de pertencer a "classe racional", quando assisto na TV, que uma mãe jogou em um rio, o seu bebê recém-nascido e o "pai-herói" em um momento de fúria, jogou a filhinha de 6 anos, por uma janela do 10 andar do prédio em que morava;
Eu me envergonho de pertencer a "classe racional" quando assisto na TV, uma babá, submeter uma criança, ser indefeso, que está sob seus cuidados, à várias sessões de tortura, pois esta foi a forma mais simples que ela(babá) achou para descarregar os seus recalques e amarguras;
Eu me envergonho de pertencer a "classe racional" quando escuto no rádio que um filho "descartou" seus pais à merce da própria sorte, em um asilo qualquer, depois de ser humilhado e desprezado, somente pelo fato de estar velho;
Eu me "orgulho" de ter nascido e sido criada em um lar sem preconceitos, onde meus pais me ensinaram que respeito e dignidade, são valores adquiridos, e para tê-los é preciso merecê-los.
Eu me orgulho de ter crescido na época da paz e do amor,quando na escola eu aprendi que todos somos iguais perante Deus e que: um rio, uma árvore, um animal ou uma pessoa merecem o mesmo respeito.
Eu me ougulho de ter adquirido a capacidade de sensibilizar-me com a dor e a indiferença sofridas pelos animais, crianças, doentes e idosos, desprezados por uma sociedade hipócrita, na qual vivemos.
Eu me orgulho da oportunidade de poder compartilhar do amor incondicional de um cão e me orgulho muito mais, porque eu, mesmo com tantos defeitos e longe da perfeição, mesmo assim, ainda consigo ser aceita, amada e respeitada no próprio universo destes seres tão especiais e que tanto tem a nos ensinar.
E eu, simplesmente desconfio dos sentimentos e virtudes de uma pessoa que mostra insignificância ao direito dos animais.
Fernanda Eick

Aumigos da Praça disse...

Por que menosprezar o amor por um animal para valorizar o amor por um ser humano? Não se pode ter os dois?
Incomoda ver as desigualdades sociais pelas calçadas da cidade? Por que culpar os animais bem cuidados, ao invés de cobrar políticas públicas para resolver os problemas das crianças abandonadas, das mulheres e dos homens desempregados, dos idosos descartados.
Antes de criticar nossos beijos, afofadas e carinhos dedicados a um animal, pense no que você já fez pelo seu próximo humano... já visitou/ajudou alguma instituição carente? Já doou agasalhos, cobertores, alimentos? Já dirigiu palavras de conforto? Tenho certeza que não, porque desprezar os animais e quem os respeita e cuida, é uma desculpa para ficar de braços cruzados.
Enfim, ficar lendo ou ouvindo comentários de pessoas com tanta falta de sensibilidade, grrrrrrrrrr!!!